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Interpretações do real na fotografia documental

Olívia da Silva

VEDUTA Revista de Estudos em Património Cultural, 2010

É num contexto social cultural de 2010

que Ana Catarina Pinho reinterpreta o real

que circunscreve a paisagem doméstica

Ao contrário de outras práticas de arte concebidas tradicionalmente por um "criador", no documento fotográfico estava implícita a ideia de transparência, entendida como uma cópia literal e objectiva da realidade. Um reflexo dos conceitos científicos do início do século XIX, que entendiam a fotografia como uma espécie de prática e que era viável sem a presença de alguém. Assim o documento fotográfico não era considerado arte, não era "criado e idealizado". Nisso residia o valor, a utilidade e a importância dos documentos fotográficos. Eram directos, literais, em que o artista fotógrafo estava "ausente". Combinando todos estes factos, a arte teórica do século XIX referia que tudo isto era insignificante para o objecto fotográfico. Os fotógrafos não estavam de acordo com a redução da fotografia a uma mera reprodução mecânica do real.

Não demorou muito para surgir outra versão da fotografia — a fotografia de estúdio, a fotografia teatralizada ou ,esmo com recurso à literatura. Como exemplo, podemos mencionar os trabalhos fotográficos de Julia Margaret Cameron (1815-1879), ou Henry Peach Robinson (1830-1901). Este último através de fotomontagem juntou vários negativos. Henry Robinson trabalhou em estúdio, fotografando, em separado, vários grupos de pessoas, diversas paisagens e depois juntou todos esses elementos numa só imagem. Uma inovação, muito antes de aparecer a fotografia digital.

Na arte contemporânea, é Jeff Wall (1946) que, à semelhança de Henry Peach Robinson, acrescenta uma nova visão à fotografia. No avançar da história da fotografia, revelam-se assim, dois tipos de imagens opostas: uma é um documento de evidência informativa, outra é uma visão construída. Actualmente, as imagens fotográficas são vistas como uma composição activa, forma estilística, sendo que evidenciam um padrão estético bastante elevado, assim como com as convenções. No início do século XX surgiram mudanças que se traduziram no avant-garde europeu e americano. A categoria de documento fotográfico começou a tomar forma. O que era negativo passou a ser positivo, sendo que a avant-garde europeia absorveu estes aspectos do documento. Assistiu-se também a uma mudança morfológica. Assim, por volta de 1970, a mentalidade de alguns artistas começa a mudar influenciando a forma como a fotografia é vista. Começou-se a examinar e a criticar a imagem fotográfica enquanto forma evidente. Também há lugar para a ironização do conceito de documento, este torna-se numa imagem alvo de escrutínio artístico e também numa imagem "duvidosa". A desmistificação pós-moderna do documento foi importante porque demonstrou os problemas da fotografia, das suas práticas e das limitações das suas assunções de base.

No âmbito da Fotografia Documental Contemporânea podemos observar uma reinterpretação do real com uma forte exigência técnica e estética. Assim como uma procura permanente de novas formas de representação do real, da forma como se constroem as histórias e se cruzam influências da outras artes da imagem. Enquadrando-se sempre as influências das ciências sociais e políticas de âmbito mais restrito ou mais vasto, lastro essencial da reinterpretação do real, como podemos comprovar na Fotografia Documental de Walker Evans (1903-1975), entre outros durante o Projecto Farm Security Administration nos Estados Unidos da América, nos anos 30 do Século XX.

É num contexto social cultural de 2010, que Ana Catarina Pinho reinterpreta o real que circunsnscreve à paisagem doméstica. Com "Paisagem Simbólica" mostra-nos um conjunto de imagens fotográficas em negativo cor nos formatos de 4"x5" e panorâmicos (6x12cm), realizadas em diferentes casas portuguesas e inglesas, que representam as influências culturais, religiosas e sociais que dão identidade aos interiores dos espaços domésticos. A autora reforçou a importância da história de cada família, usando um formato que é originalmente utilizado na fotografia de paisagem. Reforça o acto contemplativo do paisagista-fotógrafo e valoriza a importância dos objectos utilitários, decorativos e emocionais da paisagem, que tem uma intervenção directa de cada habitante do lugar representado. o que nos permite assim uma maior ou menor proximidade com as tradições culturais das famílias que habitam as divisões de cada casa.

Também usou a luz natural para intensificar a luz ambiente desses espaços e estudou as combinações cromáticas que, a par do respectivo enquadramento selectivo da autora, cria no espectador uma visão precisa do que se pretende incluir e excluir da paisagem simbólica. Os enquadramentos reforçam os pequenos detalhes que dão sentido a uma narrativa de negociação entre as histórias das pessoas reais que ali habitam e a fotógrafa que as representa. Sintetizam preferências e crenças emocionais, como podemos observar na fig.4, através de um rosto fotográfico numa parede vazia e uma caravela a decorar um armário de uma habitação na zona da Afurada; na fig.3 através de retratos fotográficos emoldurados e desalinhados na parede e na fig.2 a combinação entre a parte superior de uma lareira e um cortinado em tons de azul. São paisagens cuja intervenção humana não pode estar ausente (fig.1).

(...)

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Fig.4

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Fig.3

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Fig.2

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Fig.1

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