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Texto de Ana Pereira

In: Cadernos do Museu #07

Museu da Imagem, Braga, 2014





Da Construção de uma nova ágora


Não sei nada de fronteiras.

Só das que nos impedem de compreender a síntaxe do outro.

Vou chamar-lhe a fronteira da palavra.

Sei a que existe dentro do cérebro.


A fronteirabismo e com a qual desafiamos o círculo e a gravidade em jogos de velocidade. E sei a fronteira intransponível que se desenha entre a imagem e o texto, venha lá pós-modernidade que vier.


Da periferia conheço o que experiencio, o que olho, o que sinto. Penso na espiral logarítmica, nos fluxos entre centro e periferia e de um pequeno manual-de-outra-coisa-qualquer retiro:


“ As espirais são criadas inicialmente por uma força centrípeta que se move da periferia para o centro que, quando atinge o seu estado mais contraído não tem alternativa senão transformar-se na sua oposta, uma força centrífuga que se estende desde o centro até à periferia.”

A periferia da cidade é de facto como a minha aldeia-memória.

No inverno tudo é cinzento, castanho e verde-musgo.

A chuva quando cái, escorre por todo o lado sem abrigo possível e há uma estranha ordem que cresce pela desordem adentro.


Desconfio dos não-lugares enquanto modelo da fotografia documental contemporânea (tempo presente). Interessa-me o conceito do antropólogo Marc Augé porque fala do que experienciamos a cada dia, da realidade aí fora. O não-lugar enquanto nova configuração social, espaço de passagem e de ninguém. Um espaço não-relacional, não- identitário e não-histórico, por oposição ao espaço antropológico, criador de identidade e de relações interpessoais.


E é aqui que me encontro com o trabalho, de Ana Catarina Pinho, Broken Ground. Um chão em fragmentos, com a esperança que aí reside de construção. Ana Catarina Pinho desenvolveu esta série, um corpo ainda work-in-progress, no âmbito da residência artística European Borderlines, estabelecendo uma narrativa visual entre Portugal e Turquia.

A questão da fronteira ergueu-se ao olhar aquela que se delineava entre cidade e periferia, nestes dois países, situados nas linhas fronteiriças de uma Europa alargada. Se por um lado são visualmente semelhantes os desenhos de periferia em Portugal e na Turquia, também é semelhante a ocupação e os posicionamentos humanos nesses espaços homogeneizados.


Três linhas configuram-se no espaço maior que é a periferia:

  1. a paisagem construída, definida pelos prédios

  2. o natural, nem desenhado em paisagem/jardim, nem vivo em paisagem/natureza, mas construindo um terceiro híbrido a paisagem/verde-betão

  3. o espaço intermédio, o espaço construído pela vivência humana do quotidiano


Se a cidade comporta já as regras e limites da utilização humana, na periferia este espaço está em aberto e é construído quotidianamente pelo homem. É nesse espaço intermédio que acontecem as imagens de Broken (Play)Ground, estas paisagens com retratos que falam, através das palavras/notas que nos dão a voz do outro retratado. Os retratos acontecem numa linha/pórtico que divide o-de-cá e o-de-lá, sendo em última análise as pessoas os criadores/guardiões dessa fronteira. Estas imagens devolvem-nos a ideia de que a linha de liberdade no quotidiano da periferia é criada pela quebra, pela rutura.

Sendo a narrativa subjacente à série Broken Gorund a da construção de um bairro imaginário, o mesmo em Portugal e a Turquia, indistinto a nível de demarcação fronteiriça e de nacionalidade, mas personalizado e identitário.


Desta forma as imagens de Broken Ground são as de um espaço que não se mantém um não-lugar. Porque ao ser habitado pelo homem, vai sendo preenchido com usos, memórias, significado e tempo. As linhas basilares da construção de lugar.


Na narrativa fotográfica de Broken Ground materializa-se também a questão de que as definições de espaço público e privado estão em mutação, pelo crescendo de importância que a esfera privada assume.


Dando corpo às palavras de David Bate, quando afirma que a fotografia no contexto da paisagem, introduziu um novo ideal. Uma visão não-estética (afastada dos conceitos de pitoresco e de sublime) e que procura outras significações, sociais, políticas, económicas, ideológicas e sim, pessoais.


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